Muito além de um jardim

21 julho

Brasília é um dos raros exemplos mundiais em que o conceito modernista de cidade-parque foi adotado integralmente. No projeto vencedor do concurso nacional do Plano Piloto, de 1957, Lucio Costa idealizou-a com grande quantidade de terrenos livres e arborizados. Dentro da visão do arquiteto, os edifícios locais deveriam “nascer” de uma clareira na floresta, desenhando a antítese de uma metrópole industrial.

Concebida para trazer aos moradores qualidade de vida, essa imensa área verde produziria sombras, amenizaria o clima seco e a temperatura elevada, purificaria o ar e preencheria os espaços vazios do plano urbanístico. Que o resultado ficou próximo do sonho de um dos fundadores da capital federal, isso todos sabem. Se ainda não tem a fama dos monumentos de concreto, a arquitetura verde de Brasília já obteve destaque internacional pela sua beleza e se transformou num dos principais fatores de fixação das pessoas. Tanto é assim que, hoje, a cidade ostenta a maior média nacional de flora urbana: 120 metros quadrados por habitante. Para se ter ideia da força dessa estatística, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera que são adequadamente arborizados os centros com 12 metros quadrados de área verde por morador. São Paulo tem 40, o Rio de Janeiro, com a Floresta da Tijuca, 56,4.

O que boa parte dos brasilienses desconhece diz respeito ao árduo começo do imenso jardim que atualmente reveste 5 milhões de metros quadrados do Plano Piloto. Na década de 60, quando a capital brotava no Planalto Central, centenas de milhares de árvores trazidas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais foram plantadas às pressas. Entre 1970 e 1974, contudo, quase todas pereceram. Só em 1973, houve 50 000 baixas. Por trás do fenômeno estava o fato de as plantas importadas não se adaptarem ao solo ácido nem ao ar seco da região. Naquele momento, o reflexo político da mortandade vegetal foi tão negativo que, no Congresso Nacional, se chegou a propor a volta da capital para o Rio de Janeiro. A base da argumentação era uma só: como as pessoas poderiam viver em uma terra em que nem árvore crescia?

A surpreendente ressurreição do verde teve início com uma grande força-tarefa. Os funcionários do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap foram convocados para realizar expedições pelos arredores da cidade a fim de coletar informações sobre plantas regionais. Vale lembrar que nos anos 70 ainda não existia bibliografia sobre as espécies do Cerrado e pouco se sabia sobre o segundo maior bioma do Brasil, um dos mais ricos do mundo em diversidade. Foi a partir desse levantamento que teve início a produção de mudas adaptadas ao ecossistema local. Desde então, 75% das espécies plantadas pela Novacap, em média, passaram a ser nativas — acostumadas ao solo e ao clima, elas demandam menos gastos com manutenção. Ipês-amarelos, roxos e brancos, símbolos da cidade, são dessa época.

O engenheiro agrônomo Ozanan Coelho integrou as primeiras expedições e perdeu a conta do número de fazendas que visitou e quantas noites passou acampado. “Sofremos uma pressão política e psicológica muito grande, mas fizemos uma pesquisa séria e profunda. Não podíamos errar de novo”, lembra. Durante os quarenta anos de trabalho no DPJ, trinta deles na chefia, Coelho foi responsável pelo plantio de mais de três milhões de mudas. Aos 71 anos, o engenheiro, aposentado desde 2009, é um dos protagonistas da história verde da capital.

Mais recentemente, a professora de meio ambiente do Iesb, Roberta Costa e Lima, passou a integrar esse rol. Em sua dissertação de mestrado na Universidade de Brasília (UnB), de 2009, ela contou, uma a uma, 15 200 árvores em 39 quadras do Plano Piloto. E catalogou 162 espécies apenas nas superquadras que percorreu. Se considerarmos o corpo todo do avião, são mais de 300.

 

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/muito-alem-do-jardim-790990.shtml?func=2

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